Digital de Deus

Débora Ottoni

Certa vez, um psiquiatra renomado foi visitar o famoso Templo Expiatório da Sagrada Família, ponto turístico em Catalunha, Espanha. Desenhada pelo arquiteto catalão, Antoni Gaudí, a Catedral católica apresenta três faces que representam a tradição simbólica cristã: a Vida, a Morte e a Ressurreição de Cristo. Ao observar a primeira face do Templo, o psiquiatra se surpreendeu ao se deparar com uma fachada exposta em arte Cubista e, ali, se convenceu de que não havia naquele imponente monumento, nenhuma expressão de Deus.

O Cubismo é um movimento artístico representado por figuras geométricas retratando a natureza. Quando um cubo, figura que inspira o nome do movimento, nos é apresentado, não conseguimos visualizar todas as suas faces. Apenas duas ou três são alcançadas pelos olhos. A partir desta semântica, Pablo Picasso, o maior representante deste movimento, questiona a perfeição das coisas e do mundo. Poderíamos traduzir assim o seu pensamento: “Se eu não posso ver todos os lados ao mesmo tempo, o mundo está errado!”

E assim, surge o cubismo, de maneira que as figuras podem ser lançadas em um plano onde todas as suas faces se tornam visíveis. Ao questionar o mundo e suas formas, ao se revoltar contra a criação, existe uma revolta contra o Criador. Quando se lança a dúvida sobre Sua criação, assume-se um lugar de soberba, lugar este ocupado por Lúcifer.

Logo, por definição, o Cubismo é a expressão de uma arte antirreligiosa, antiteísta, podendo se caracterizar como a representação de uma cosmovisão de desconstrução. É um tipo de arte que não poderia estar expressa em nenhuma Igreja. Desta forma entendemos a reação do psiquiatra.

Se faz necessário o entendimento da história e seus movimentos para que tenhamos a capacidade de observar seus fenômenos uma vez que somos afetados por eles, principalmente, através da arte. A arte não é igualmente representada por todos. Se o artista tem uma cosmovisão materialista, cristã, humanista, relativista ou cética, as suas digitais estarão na sua criação. A arte é a expressão de impressões de cosmovisões específicas, que são retratos do tempo, do mundo, do espaço, contexto e ideais que o seu criador carrega.

Quando pensamos o mundo, resgatando o olhar do Simbolismo e Romantismo (movimentos artísticos, literários e filosóficos dos séc. XVIII e XIX), entendemos o quanto as formas genuinamente expressas através da arte, escrita e música têm correlação com a espiritualidade. Enquanto ocuparmos um espaço neste mundo, devemos nos orientar e inspirar nosso espírito através de Sua criação.

Quando nosso espírito não reconhece a digital de Deus expressa nas formas que nos são apresentadas, ele se desorienta, causando desordem na alma. Se a arte não aponta para o Senhor, ela apenas manifestará em nós o efeito fugaz e vão de emoções superficiais que vêm à tona e não aproximam o nosso espírito de Deus. Isso explica o caos hoje evidenciado em nossa sociedade a partir da relativização e desconstrução da beleza, da perfeição, da ordem e da hierarquia.

A perfeição dEle está, diariamente, expressa nos números exatos desenhados em folhas, pétalas de flores e elementos da natureza (proporção áurea), na harmonia alcançada pelo nosso espírito quando contemplamos algo ordenado e belo, na fotografia que nossa alma captura ao encontrar pistas e sinais de Sua Existência. Vivemos dias nos quais nossos espíritos vagueiam sedentos pela expressão de Cristo aqui na Terra e, ao mesmo tempo, vivemos dias de decadência do verbo espiritual, de decadência do espírito. Infelizmente, e terrivelmente, qualquer coisa que se aproxima do que parece ser espiritual, acaba nos atraindo. Qualquer fenômeno que lembre a tradução de Deus ou aponte pra uma dimensão simbólica que se aproxima do espaço que Deus preencheria em nós, tem um grande poder de adesão e acaba ludibriando nossas almas. É assim quando nos deparamos fascinados com grandes catedrais, quando admiramos lindos quadros, belas músicas, inspiradores textos e poemas, que enganosamente mentem que apontam para o céu. Na verdade, só nos levam a contemplar a alma, tão sedenta quanto a daquele artista.

Quando nos sentirmos levados a admirar, contemplar ou criar algo, não nos esqueçamos de que a arte carrega as digitais do artista e que suas impressões devem apontar para o Criador. Se Ele se manifesta através do artista, aquela arte deve, espontaneamente, apontar para o céu.

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